O que é assédio moral?
Assédio moral ou
violência moral no trabalho não é
um fenômeno novo. Pode-se dizer que ele é tão antigo quanto o trabalho.
A novidade reside na
intensificação, gravidade, amplitude e banalização do fenômeno e na abordagem
que tenta estabelecer o nexo-causal com a organização do trabalho e tratá-lo
como não inerente ao trabalho. A reflexão e o debate sobre o tema são recentes
no Brasil, tendo ganhado força após a divulgação da pesquisa brasileira
realizada por Dra. Margarida Barreto. Tema da sua dissertação de Mestrado em Psicologia Social ,
foi defendida em 22 de maio de 2000 na PUC/ SP, sob o título "Uma jornada
de humilhações".
A primeira matéria sobre a
pesquisa brasileira saiu na Folha de São Paulo, no dia 25 de novembro de 2000,
na coluna de Mônica Bérgamo. Desde então o tema tem tido presença constante nos
jornais, revistas, rádio e televisão, em todo país. O assunto vem sendo
discutido amplamente pela sociedade, em particular no movimento sindical e no
âmbito do legislativo.
Em agosto do mesmo ano, foi
publicado no Brasil o livro de Marie France Hirigoyen "Harcèlement Moral:
la violence perverse au quotidien". O livro foi traduzido pela Editora
Bertrand Brasil, com o título Assédio moral: a violência perversa no cotidiano.
Atualmente existem mais de 80
projetos de lei em diferentes municípios do país. Vários projetos já foram
aprovados e, entre eles, destacamos: São Paulo, Natal, Guarulhos, Iracemápolis,
Bauru, Jaboticabal, Cascavel, Sidrolândia, Reserva do Iguaçu, Guararema,
Campinas, entre outros. No âmbito estadual, o Rio de Janeiro, que, desde maio
de 2002, condena esta prática. Existem projetos em tramitação nos estados de
São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Paraná, Bahia, entre outros. No
âmbito federal, há propostas de alteração do Código Penal e outros projetos de
lei.
O que é humilhação?
Conceito: É um sentimento de ser
ofendido/a, menosprezado/a, rebaixado/a, inferiorizado/a, submetido/a,
vexado/a, constrangido/a e ultrajado/a pelo outro/a. É sentir-se um ninguém,
sem valor, inútil. Magoado/a, revoltado/a, perturbado/a, mortificado/a,
traído/a, envergonhado/a, indignado/a e com raiva. A humilhação causa dor, tristeza
e sofrimento.
E o que é assédio moral no trabalho?
É a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a
situações humilhantes e constrangedoras,repetitivas
e prolongadas durante
a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações
hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas,
relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes
dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com
o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego.
Caracteriza-se pela degradação
deliberada das condições de trabalho em que prevalecem atitudes e condutas
negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma
experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o
trabalhador e a organização. A vítima escolhida é isolada do grupo sem
explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada,
culpabilizada e desacreditada diante dos pares. Estes, por medo do desemprego e
a vergonha de serem também humilhados associado ao estímulo constante à
competitividade, rompem os laços afetivos com a vítima e, freqüentemente,
reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho,
instaurando o ’pacto da tolerância e do silêncio’ no coletivo, enquanto a vitima vai
gradativamente se desestabilizando e fragilizando, ’perdendo’ sua auto-estima.
Em resumo: um ato isolado de
humilhação não é assédio moral. Este, pressupõe:
1.
repetição sistemática
2.
intencionalidade (forçar o outro a abrir mão do
emprego)
3.
direcionalidade (uma pessoa do grupo é escolhida
como bode expiatório)
4.
temporalidade (durante a jornada, por dias e
meses)
5.
degradação deliberada das condições de trabalho
Entretanto, quer seja um ato ou
a repetição deste ato, devemos combater firmemente por constituir uma violência
psicológica, causando danos à saúde física e mental, não somente daquele que é
excluído, mas de todo o coletivo que testemunha esses atos.
O desabrochar do individualismo
reafirma o perfil do ’novo’ trabalhador: ’autônomo, flexível’, capaz,
competitivo, criativo, agressivo, qualificado e empregável. Estas habilidades o
qualificam para a demanda do mercado que procura a excelência e saúde perfeita.
Estar ’apto’ significa responsabilizar os trabalhadores pela
formação/qualificação e culpabilizá-los pelo desemprego, aumento da pobreza
urbana e miséria, desfocando a realidade e impondo aos trabalhadores um
sofrimento perverso.
A humilhação repetitiva e de
longa duração interfere na vida do trabalhador e trabalhadora de modo direto,
comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais,
ocasionando graves danos à saúde física e mental*, que podem evoluir para a
incapacidade laborativa, desemprego ou mesmo a morte, constituindo um risco
invisível, porém concreto, nas
relações e condições de trabalho.
A violência moral no trabalho
constitui um fenômeno internacional segundo levantamento recente da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) com diversos paises desenvolvidos. A pesquisa
aponta para distúrbios da saúde mental relacionado com as condições de trabalho
em países como Finlândia, Alemanha, Reino Unido, Polônia e Estados Unidos. As
perspectivas são sombrias para as duas próximas décadas, pois segundo a OIT e
Organização Mundial da Saúde, estas serão as décadas do ’mal estar na
globalização", onde predominará depressões, angustias e outros danos
psíquicos, relacionados com as novas políticas de gestão na organização de
trabalho e que estão vinculadas as políticas neoliberais.
Fases da humilhação no trabalho
A humilhação no trabalho
envolve os fenômenos vertical e horizontal.
O fenômeno vertical se caracteriza por relações
autoritárias, desumanas e aéticas, onde predomina os desmandos, a manipulação
do medo, a competitividade, os programas de qualidade total associado a
produtividade. Com a reestruturação e reorganização do trabalho, novas características
foram incorporadas à função: qualificação, polifuncionalidade, visão sistêmica
do processo produtivo, rotação das tarefas, autonomia e ’flexibilização’.
Exige-se dos trabalhadores/as maior escolaridade, competência, eficiência,
espírito competitivo, criatividade, qualificação, responsabilidade pela
manutenção do seu próprio emprego (empregabilidade) visando produzir mais a
baixo custo.
A ’flexibilização’ inclui a
agilidade das empresas diante do mercado, agora globalizado, sem perder os
conteúdos tradicionais e as regras das relações industriais. Se para os
empresários competir significa ’dobrar-se elegantemente’ ante as flutuações do
mercado, com os trabalhadores não acontece o mesmo, pois são obrigados a
adaptar-se e aceitar as constantes mudanças e novas exigências das políticas
competitivas dos empregadores no mercado global.
A "flexibilização",
que na prática significa desregulamentação para os trabalhadores/as, envolve a
precarização, eliminação de postos de trabalho e de direitos duramente conquistados,
assimetria no contrato de trabalho, revisão permanente dos salários em função
da conjuntura, imposição de baixos salários, jornadas prolongadas, trabalhar
mais com menos pessoas, terceirização dos riscos, eclosão de novas doenças,
mortes, desemprego massivo, informalidade, bicos e sub-empregos,
dessindicalização, aumento da pobreza urbana e viver com incertezas. A ordem
hegemônica do neoliberalismo abarca reestruturação produtiva, privatização
acelerada, estado mínimo, políticas fiscais etc. que sustentam o abuso de poder
e manipulação do medo, revelando a degradação deliberada das condições de
trabalho.
O fenômeno horizontal está relacionado à pressão para
produzir com qualidade e baixo custo. O medo de perder o emprego e não voltar
ao mercado formal favorece a submissão e fortalecimento da tirania. O
enraizamento e disseminação do medo no ambiente de trabalho, reforça atos
individualistas, tolerância aos desmandos e práticas autoritárias no interior
das empresas que sustentam a ’cultura do contentamento geral’. Enquanto os
adoecidos ocultam a doença e trabalham com dores e sofrimentos, os sadios que
não apresentam dificuldades produtivas, mas que ’carregam’ a incerteza de vir a
tê-las, mimetizam o discurso das chefias e passam a discriminar os ’improdutivos’,
humilhando-os.
A competição sistemática entre
os trabalhadores incentivada pela empresa, provoca comportamentos agressivos e
de indiferença ao sofrimento do outro. A exploração de mulheres e homens no
trabalho explicita a excessiva freqüência de violência vivida no mundo do
trabalho. A globalização da economia provoca, ela mesma, na sociedade uma
deriva feita de exclusão, de desigualdades e de injustiças, que sustenta, por
sua vez, um clima repleto de agressividades, não somente no mundo do trabalho,
mas socialmente. Este fenômeno se caracteriza por algumas variáveis:
- Internalização,
reprodução, reatualização e disseminação das práticas agressivas nas
relações entre os pares, gerando indiferença ao sofrimento do outro e
naturalização dos desmandos dos chefes.
- Dificuldade
para enfrentar as agressões da organização do trabalho e interagir em
equipe.
- Rompimento dos
laços afetivos entre os pares, relações afetivas frias e endurecidas,
aumento do individualismo e instauração do ’pacto do silêncio’ no coletivo.
- Comprometimento
da saúde, da identidade e dignidade, podendo culminar em morte.
- Sentimento de
inutilidade e coisificação. Descontentamento e falta de prazer no
trabalho.
- Aumento do
absenteísmo, diminuição da produtividade.
- Demissão
forçada e desemprego.
A organização e condições de trabalho, assim como as
relações entre os trabalhadores condicionam em grande parte a qualidade da
vida. O que acontece dentro das empresas é, fundamental para a democracia e os
direitos humanos. Portanto, lutar contra o assédio moral no trabalho é estar
contribuindo com o exercício concreto e pessoal de todas as liberdades
fundamentais. É sempre positivo que associações, sindicatos, coletivos e
pessoas sensibilizadas individualmente intervenham para ajudar as vítimas e para
alertar sobre os danos a saúde deste tipo de assédio.
Estratégias do agressor
- Escolher a
vítima e isolar do grupo.
- Impedir de se
expressar e não explicar o porquê.
- Fragilizar,
ridicularizar, inferiorizar, menosprezar em frente aos pares.
- Culpabilizar/responsabilizar
publicamente, podendo os comentários de sua incapacidade invadir,
inclusive, o espaço familiar.
- Desestabilizar
emocional e profissionalmente. A vítima gradativamente vai perdendo
simultaneamente sua autoconfiança e o interesse pelo trabalho.
- Destruir a
vítima (desencadeamento ou agravamento de doenças pré-existentes). A
destruição da vítima engloba vigilância acentuada e constante. A vítima se
isola da família e amigos, passando muitas vezes a usar drogas,
principalmente o álcool.
- Livrar-se da
vítima que são forçados/as a pedir demissão ou são demitidos/as,
freqüentemente, por insubordinação.
- Impor ao coletivo sua autoridade para aumentar a produtividade.
A explicitação do assédio moral:
Gestos, condutas abusivas e
constrangedoras, humilhar repetidamente, inferiorizar, amedrontar, menosprezar
ou desprezar, ironizar, difamar, ridicularizar, risinhos, suspiros, piadas
jocosas relacionadas ao sexo, ser indiferente à presença do/a outro/a, estigmatizar
os/as adoecidos/as pelo e para o trabalho, colocá-los/as em situações
vexatórias, falar baixinho acerca da pessoa, olhar e não ver ou ignorar sua
presença, rir daquele/a que apresenta dificuldades, não cumprimentar, sugerir
que peçam demissão, dar tarefas sem sentido ou que jamais serão utilizadas ou
mesmo irão para o lixo, dar tarefas através de terceiros ou colocar em sua mesa
sem avisar, controlar o tempo de idas ao banheiro, tornar público algo íntimo
do/a subordinado/a, não explicar a causa da perseguição, difamar,
ridicularizar.
As manifestações do assédio segundo o sexo:
Com as
mulheres: os
controles são diversificados e visam intimidar, submeter, proibir a fala,
interditar a fisiologia, controlando tempo e freqüência de permanência nos banheiros.
Relaciona atestados médicos e faltas a suspensão de cestas básicas ou
promoções.
Com os
homens: atingem
a virilidade, preferencialmente.
Os espaços da humilhação
A empresa
- Começar sempre
reunião amedrontando quanto ao desemprego ou ameaçar constantemente com a
demissão.
- Subir em mesa
e chamar a todos de incompetentes.
- Repetir a
mesma ordem para realizar uma tarefa simples centenas de vezes até
desestabilizar emocionalmente o trabalhador ou dar ordens confusas e
contraditórias.
- Sobrecarregar
de trabalho ou impedir a continuidade do trabalho, negando informações.
- Desmoralizar
publicamente, afirmando que tudo está errado ou elogiar, mas afirmar que
seu trabalho é desnecessário à empresa ou instituição.
- Rir a
distância e em pequeno grupo; conversar baixinho, suspirar e executar
gestos direcionado-os ao trabalhador.
- Não cumprimentar
e impedir os colegas de almoçarem, cumprimentarem ou conversarem com a
vítima, mesmo que a conversa esteja relacionada à tarefa. Querer saber o
que estavam conversando ou ameaçar quando há colegas próximos conversando.
- Ignorar a
presença do/a trabalhador/a.
- Desviar da
função ou retirar material necessário à execução da tarefa, impedindo o
trabalho.
- Exigir que
faça horários fora da jornada. Ser trocado/a de turno, sem ter sido
avisado/a.
- Mandar
executar tarefas acima ou abaixo do conhecimento do trabalhador.
- Voltar de
férias e ser demitido/a ou ser desligado/a por telefone ou telegrama em
férias.
- Hostilizar,
não promover ou premiar colega mais novo/a e recém-chegado/a à empresa e
com menos experiência, como forma de desqualificar o trabalho realizado.
- Espalhar entre
os colegas que o/a trabalhador/a está com problemas nervoso.
- Sugerir que
peça demissão, por sua saúde.
- Divulgar
boatos sobre sua moral.
Ambulatório das empresas e INSS
- Sofrer
constrangimento publico e ser considerado mentiroso.
- Ser impedido
de questionar. Mandar calar-se, reafirmando sua posição de ’autoridade no
assunto’.
- Menosprezar o
sofrimento do outro.
- Ridicularizar
o doente e a doença.
- Empurrar de um
lugar para outro e não explicar o diagnóstico ou tratamento recomendado.
- Ser tratado
como criança e ver ironizados seus sintomas.
- Ser atendido
de porta aberta e não ter privacidade respeitada.
- Ter seus
laudos recusados e ridicularizados
- Não ter
reconhecido seus direitos ou não ser reconhecido como ’um legitimo outro’
na convivência.
- Aconselhar o/a
adoecido/a a pedir demissão.
- Negar o nexo
causal.
- Dar alta ao
adoecido/a em tratamento, encaminhando para a produção.
- Negar laudo
médico, não fornecer cópia dos exames e prontuários.
- Não orientar o
trabalhador quanto aos riscos existentes no setor ou posto de trabalho.
Política de reafirmação da humilhação nas empresas
a) com todos os
trabalhadores
- Estimular a
competitividade e individualismo, discriminando por sexo: cursos de
aperfeiçoamento e promoção realizado preferencialmente para os homens.
- Discriminação
de salários segundo sexo.
- Passar lista
na empresa para que os trabalhadores/as se comprometam a não procurar o
Sindicato ou mesmo ameaçar os sindicalizados.
- Impedir que as
grávidas sentem durante a jornada ou que façam consultas de pré-natal fora
da empresa.
- Fazer reunião
com todas as mulheres do setor administrativo e produtivo, exigindo que
não engravidem, evitando prejuízos a produção.
- Impedir de
usar o telefone em casos de urgência ou não comunicar aos trabalhadores/as
os telefonemas urgentes de seus familiares.
- Impedir de
tomar cafezinho ou reduzir horário de refeições para 15 minutos. Refeições
realizadas no maquinário ou bancadas.
- Desvio de
função: mandar limpar banheiro, fazer cafezinho, limpar posto de trabalho,
pintar casa de chefe nos finais de semana.
- Receber
advertência em conseqüência de atestado médico ou por que reclamou
direitos.
b) discriminação aos adoecidos e
acidentados que retornam ao trabalho
- Ter outra
pessoa no posto de trabalho ou função.
- Colocar em
local sem nenhuma tarefa e não dar tarefa. Ser colocado/a sentado/a
olhando os outros trabalhar, separados por parede de vidro daqueles que
trabalham.
- Não fornecer
ou retirar todos os instrumentos de trabalho.
- Isolar os
adoecidos em salas denominadas dos ’compatíveis’. Estimular a
discriminação entre os sadios e adoecidos, chamando-os pejorativamente de
’podres, fracos, incompetentes, incapazes’.
- Diminuir
salários quando retornam ao trabalho.
- Demitir após a
estabilidade legal.
- Ser impedido
de andar pela empresa.
- Telefonar para
a casa do funcionário e comunicar à sua família que ele ou ela não quer
trabalhar.
- Controlar as
idas a médicos, questionar acerca do falado em outro espaço. Impedir que
procurem médicos fora da empresa.
- Desaparecer
com os atestados. Exigir o Código Internacional de Doenças - CID - no
atestado como forma de controle.
- Colocar guarda
controlando entrada e saída e revisando as mulheres.
- Não permitir
que conversem com antigos colegas dentro da empresa.
- Colocar um
colega controlando o outro colega, disseminando a vigilância e
desconfiança.
- Dificultar a
entregar de documentos necessários à concretização da perícia médica pelo
INSS.
- Omitir doenças
e acidentes.
- Demitir os adoecidos ou acidentados do trabalho.
Danos da humilhação à saúde
A humilhação constitui um risco
invisível, porém concreto nas relações de trabalho e a saúde dos trabalhadores
e trabalhadoras, revelando uma das formas mais poderosa de violência sutil nas
relações organizacionais, sendo mais freqüente com as mulheres e adoecidos. Sua
reposição se realiza ’invisivelmente’ nas práticas perversas e arrogantes das
relações autoritárias na empresa e sociedade. A humilhação repetitiva e
prolongada tornou-se prática costumeira no interior das empresas, onde
predomina o menosprezo e indiferença pelo sofrimento dos trabalhadores/as, que
mesmo adoecidos/as, continuam trabalhando.
Freqüentemente os
trabalhadores/as adoecidos são responsabilizados/as pela queda da produção,
acidentes e doenças, desqualificação profissional, demissão e conseqüente
desemprego. São atitudes como estas que reforçam o medo individual ao mesmo
tempo em que aumenta a submissão coletiva construída e alicerçada no medo. Por
medo, passam a produzir acima de suas forças, ocultando suas queixas e
evitando, simultaneamente, serem humilhados/as e demitidos/as.
Os laços afetivos que permitem
a resistência, a troca de informações e comunicações entre colegas, se tornam
’alvo preferencial’ de controle das chefias se ’alguém’ do grupo, transgride a
norma instituída. A violência no intramuros se concretiza em intimidações,
difamações, ironias e constrangimento do ’transgressor’ diante de todos, como
forma de impor controle e manter a ordem.
Em muitas sociedades,
ridicularizar ou ironizar crianças constitui uma forma eficaz de controle, pois
ser alvo de ironias entre os amigos é devastador e simultaneamente depressivo.
Neste sentido, as ironias mostram-se mais eficazes que o próprio
castigo. O/A trabalhador/a humilhado/a ou constrangido/a passa
a vivenciar depressão, angustia, distúrbios do sono, conflitos internos e
sentimentos confusos que reafirmam o sentimento de fracasso e inutilidade.
As emoções são constitutivas de
nosso ser, independente do sexo. Entretanto a manifestação dos sentimentos e emoções
nas situações de humilhação e constrangimentos são diferenciadas segundo o
sexo: enquanto as mulheres são mais humilhadas e expressam sua indignação com
choro, tristeza, ressentimentos e mágoas, estranhando o ambiente ao qual
identificava como seu, os homens sentem-se revoltados, indignados, desonrados,
com raiva, traídos e têm vontade de vingar-se. Sentem-se envergonhados diante
da mulher e dos filhos, sobressaindo o sentimento de inutilidade, fracasso e
baixa auto-estima. Isolam-se da família, evitam contar o acontecido aos amigos,
passando a vivenciar sentimentos de irritabilidade, vazio, revolta e fracasso.
Passam a conviver com
depressão, palpitações, tremores, distúrbios do sono, hipertensão, distúrbios
digestivos, dores generalizadas, alteração da libido e pensamentos ou
tentativas de suicídios que configuram um cotidiano sofrido. É este sofrimento
imposto nas relações de trabalho que revela o adoecer, pois o que adoece as
pessoas é viver uma vida que não desejam, não escolheram e não suportam.
É possível estabelecer o nexo causal?
Segundo Resolução 1488/98 do
Conselho Federal de Medicina, "para o estabelecimento do nexo causal entre
os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além do exame clínico
(físico e mental) e dos exames complementares, quando necessários, deve o médico
considerar:
- A história
clínica e ocupacional, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação
de nexo causal;
- O estudo do
local de trabalho;
- O estudo da
organização do trabalho;
- Os dados
epidemiológicos;
- A literatura
atualizada;
- A ocorrência
de quadro clínico ou subclínico em trabalhador exposto a condições
agressivas;
- A
identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos,
estressantes, e outros;
- O depoimento e
a experiência dos trabalhadores;
- Os
conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais,
sejam ou não da área de saúde." (Artigo 2o da Resolução CFM 1488/98).
Acrescrentamos:
- Duração e
repetitividade da exposição dos trabalhadores a situações de humilhação.
O que a vítima deve fazer?
- Resistir:
anotar com detalhes toda as humilhações sofridas (dia, mês, ano, hora,
local ou setor, nome do agressor, colegas que testemunharam, conteúdo da
conversa e o que mais você achar necessário).
- Dar
visibilidade, procurando a ajuda dos colegas, principalmente daqueles que
testemunharam o fato ou que já sofreram humilhações do agressor.
- Organizar. O
apoio é fundamental dentro e fora da empresa.
- Evitar
conversar com o agressor, sem testemunhas. Ir sempre com colega de
trabalho ou representante sindical.
- Exigir por
escrito, explicações do ato agressor e permanecer com cópia da carta
enviada ao D.P. ou R.H e da eventual resposta do agressor. Se possível
mandar sua carta registrada, por correio, guardando o recibo.
- Procurar seu
sindicato e relatar o acontecido para diretores e outras instancias como:
médicos ou advogados do sindicato assim como: Ministério Público, Justiça
do Trabalho, Comissão de Direitos Humanos e Conselho Regional de Medicina
(ver Resolução do Conselho Federal de
Medicina n.1488/98
sobre saúde do trabalhador).
- Recorrer ao
Centro de Referencia em Saúde dos Trabalhadores e contar a humilhação
sofrida ao médico, assistente social ou psicólogo.
- Buscar apoio
junto a familiares, amigos e colegas, pois o afeto e a solidariedade são
fundamentais para recuperação da auto-estima, dignidade, identidade e
cidadania.
Importante:
Se você é testemunha de cena(s) de humilhação no trabalho
supere seu medo, seja solidário com seu colega. Você poderá ser "a próxima
vítima" e nesta hora o apoio dos seus colegas também será precioso. Não
esqueça que o medo reforça o poder do agressor!
Lembre-se:
O assédio moral no trabalho não é um fato isolado, como
vimos ele se baseia na repetição ao longo do tempo de práticas vexatórias e
constrangedoras, explicitando a degradação deliberada das condições de trabalho num contexto de desemprego, dessindicalização
e aumento da pobreza urbana. A batalha para recuperar a dignidade, a
identidade, o respeito no trabalho e a auto-estima, deve passar pela
organização de forma coletiva através dos representantes dos trabalhadores do
seu sindicato, das CIPAS, das organizações por local de trabalho (OLP),
Comissões de Saúde e procura dos Centros de Referencia em Saúde dos
Trabalhadores (CRST e CEREST), Comissão de Direitos Humanos e dos Núcleos de
Promoção de Igualdade e Oportunidades e de Combate a Discriminação em matéria
de Emprego e Profissão que existem nas Delegacias Regionais do Trabalho.
O basta à humilhação depende também da informação,
organização e mobilização dos trabalhadores. Um ambiente de trabalho saudável é
uma conquista diária possível na medida em que haja "vigilância
constante" objetivando condições de trabalho dignas, baseadas no respeito
’ao outro como legítimo outro’, no incentivo a criatividade, na cooperação.
O combate de forma eficaz ao assédio moral no trabalho exige
a formação de um coletivo multidisciplinar, envolvendo diferentes atores
sociais: sindicatos, advogados, médicos do trabalho e outros profissionais de
saúde, sociólogos, antropólogos e grupos de reflexão sobre o assédio moral.
Estes são passos iniciais para conquistarmos um ambiente de trabalho saneado de
riscos e violências e que seja sinônimo de cidadania.
Fonte: http://www.assediomoral.org/
Um comentário:
Parabéns pela postagem. Muito útil.Te desejo um lindo final de semana. bjss
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